ACÓRDÃO Nº 1556/2024 – TCU – Plenário

Considerando que, em juízo de cognição sumária, se verificou a fumaça do bom direito configurada pelo item 5.21.5 do Termo de Referência, que representou afronta ao art. 14 da Lei 14.133/2021, bem como ao art. 9º, que veda situações as quais restrinjam indevidamente a competitividade do certame, e pelas ações do pregoeiro durante a suspensão da sessão do PE 90006/2024, que comprometeram a integridade e a transparência do processo licitatório;

Considerando a presença do periculum in mora em razão da iminência da assinatura do contrato;

Considerando que, após a diligência e a oitiva prévia da Fundação Universidade de Brasília acerca dos indícios de irregularidades e dos requisitos autorizadores da concessão de medida cautelar, a AudContratações obteve informação da anulação da fase externa do certame e do item 5.21.5 do Termo de Referência (peça 23);

Considerando a solicitação de acesso à peça 29 por parte da reitora da Universidade de Brasília,

os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ACORDAM, por unanimidade, de acordo com os pareceres emitidos nos autos e com fundamento no art. 170, § 4º, da Lei 14.133/2021 c/c os arts. 235, 237, VII, e 169, V, do Regimento Interno deste Tribunal;

9.1. conhecer da representação e, no mérito, considerá-la prejudicada por perda de objeto, tendo em vista a anulação do certame;

ACÓRDÃO Nº 1507/2024 – TCU – Plenário

9.1.1. no que se refere ao ambiente mercadológico:

9.1.1.1. 8 (oito) a cada 10 (dez) licitações realizadas por entes subnacionais com população superior a 20 mil habitantes são processadas por meio de portais privados;

9.1.1.2. segundo informação fornecida pela Coordenação-Geral de Gestão Estratégica da Diretoria de Normas e Sistemas de Logística (CGEST/Delog/Seges) do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), o PNCP já teve interação informacional com 217 sistemas diferentes, predominantemente privados;

9.1.2. quanto à forma de contratação das plataformas:

9.1.2.1. de forma majoritária são realizadas dispensas e inexigibilidades, tendo sido identificada, ainda, a promoção de termo de cooperação técnica e termo de adesão, com entendimento de que nem seria o caso de uma contratação pública, mas sim de uma formalização de Termo de Adesão, que objetiva a anuência da entidade aos termos e condições previamente estabelecidos, em que o aderente concorda com as cláusulas, obrigações e responsabilidades estipuladas no documento principal, adaptando-se às especificidades do seu envolvimento no projeto ou programa em questão;

9.1.2.2. nas entrevistas e relatos empreendidos, em nenhum caso foi mencionada a realização de pregão eletrônico ou concorrência;

9.1.2.3. quando há a presença de estudos técnicos preliminares, estes seriam fornecidos pelas próprias plataformas interessadas e, segundo dados coletados pelo questionário aplicado no âmbito do TC 027.907/2022-8, mais de 70% dos respondentes informaram que não elaboraram ETP prévio de forma a fundamentar a contratação das plataformas de licitação por eles utilizadas;

9.1.2.4. de acordo com os julgados do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Acórdão 2.043/2021-Plenário) e do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (Processo 3.438/2023), emitiram-se alertas para a necessidade de estudo prévio e justificativa para a escolha de plataformas privadas, em detrimento de soluções gratuitas como o Portal de Compras do Governo Federal (compras.gov.br), além de questionar a ideia de que essas plataformas são não onerosas, já que os custos acabam sendo repassados à Administração Pública;

9.1.2.5. em nenhum caso foi identificada, nas entrevistas empreendidas, a realização de pregão eletrônico ou concorrência;

9.1.2.6. não foram encontrados respaldos normativos para a ausência de processo competitivo para escolha de uma plataforma privada de licitação, sendo que o elemento que sustenta o escape licitatório é a relação não onerosa que, em geral, as plataformas possuem com a Administração Pública, pelo fato de não haver cobrança direta do ente público;

9.1.3. sobre as formas de remuneração cobradas pelas plataformas:

9.1.3.1. segundo dados extraídos do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e disponibilizados no Laboratório de Informações para o Controle (LabContas), com uma amostra representativa de onze plataformas privadas de diferentes portes de valores licitados e quantitativos de compras informados, verificou-se que todas as empresas analisadas são remuneradas pelos fornecedores, sendo que a maioria exige pagamento de todos os potenciais licitantes como condição prévia de participação nos certames, ao passo que duas aplicam uma taxa aos vencedores da disputa, calculada como um percentual sobre o valor homologado;

9.1.3.2. algumas plataformas também cobram da Administração Pública, no entanto essas cobranças variam conforme a relação contratual entre o ente público e a plataforma, podendo ocorrer por um valor total anual ou por valor relativo a licitações realizadas ou ainda conforme os itens existentes em um certame, não sendo possível determinar, ainda que aproximadamente, os valores pagos pela Administração Pública, devido a essa diversidade de informações coletadas;

9.1.3.3. possibilidade legal de exigir pagamento dos particulares, haja vista que, sob a égide do art. 5º, III, da Lei 10.520/2002, havia autorização expressa para que os provedores de sistemas recebessem pelos serviços, desde que as taxas não superassem os custos de utilização dos recursos tecnológicos. No entanto, a Lei 14.133/2021, que substituiu o diploma dos pregões, não traz previsão expressa equivalente;

9.1.3.3.1. acerca do subitem supra, identificou-se decisão do Tribunal de Contas do Piauí (TCE/PI), no TC 4.158/2023, interpretando que a lacuna deixada pela Lei 14.133/2021 impede a cobrança de custos dos licitantes para participação nas licitações, ainda que vinculados à utilização de recursos de tecnologia da informação; bem como julgado do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) ao determinar, na Nota Técnica TC-5/2023, que, até que sobrevenha regulamentação específica, as unidades gestoras se abstenham de contratar plataformas privadas que cobram taxas pela utilização de sistema eletrônico para realização de licitações eletrônicas ou, caso decidam pela contratação dessas plataformas, que assumam integralmente os custos pela utilização dos sistemas;

9.1.3.4. potencial prejuízo ao controle social, como identificado na auditoria realizada no âmbito do Processo TC 4.158/2023, em que o TCE/PI testou as funcionalidades gerais e específicas das plataformas privadas mais utilizadas pelos municípios naquele Estado e observou que, enquanto algumas permitiam o acesso gratuito ao cidadão, incluindo a possibilidade de impugnação e acompanhamento das sessões (embora sem interação), outras plataformas restringiam o acesso às informações do certame e reservavam a impugnação ao edital apenas para usuários pagantes.

9.1.3.5. a transparência dos custos tornam-se igualmente problemáticos quando os valores de utilização das plataformas são arcados diretamente pelos licitantes, o que inviabiliza o controle sobre os valores efetivamente pagos pelos órgãos públicos, sendo relatado por diversos stakeholders entrevistados que os custos de acesso às plataformas são repassados à Administração Pública pelos licitantes vencedores, que os incluem em suas propostas de forma que o ente público desconhece tais valores, assumindo-os de maneira indireta;

9.1.3.5.1. o desconhecimento dos custos dos fornecedores impacta, inclusive, a elaboração de um estudo técnico preliminar, pois, de acordo com o inciso VI do art. 9º da IN Seges/ME 58/2022, é essencial que o ETP inclua a estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte;

9.1.3.6. um modelo de negócio em que o licitante é o principal cliente pode conduzir a favorecimentos e práticas ímprobas, incluindo conluios entre fornecedores e a plataforma, que ocorrem à revelia da Administração Pública, o que resulta do problema de conflito de agência, em que o principal (Administração Pública) desconhece as negociações entre a empresa privada que opera a plataforma e os licitantes (fornecedores);

9.1.3.7. foram reportadas à equipe de auditoria deste Tribunal algumas práticas ilícitas, como a concessão de segundos adicionais para licitantes específicos nas fases de lances e envio de documentações, impedimento de participar de licitação devido a não pagamento ou inadimplência, venda de identidade de licitantes para criar um ambiente artificial de disputa, além de outras personalizações escusas que poderiam favorecer direcionamentos;

9.1.3.8. o Acórdão 1.121/2023-Plenário, de relatoria do Ministro-Substituto Augusto Sherman, veda “a utilização de sistema informatizado que exige o pagamento de plano de assinatura periódico como condição para participação na licitação, sem a possibilidade de pagamento para participação em um único certame”, mas, nada obstante, identificaram-se pelo menos duas plataformas que não oportunizam plano para participação em licitação avulsa, ao passo que as demais oferecem assinaturas únicas e periódicas aos licitantes (mensais, trimestrais, semestrais e anuais);

9.1.3.8. constatou-se ser usual a adoção, por uma mesma prefeitura, de diferentes plataformas para gerenciar seus procedimentos eletrônicos, sendo comum, por consequência, que os fornecedores precisem estar credenciados, simultaneamente, em diversas plataformas, em oneração dos concorrentes e, obviamente, dos produtos/serviços licitados, com barreiras à competitividade e sobretudo a presença de pequenas e microempresas;

9.1.3.9. licitantes com pendências financeiras junto às plataformas podem vir a ser impedidos de participar dos certames, com restrição à competitividade não amparada por lei;

9.1.3.10. a cobrança de taxas variáveis com base no valor da proposta vencedora se assemelha a uma condição de sociedade entre plataforma e vencedor e impede que haja qualquer tipo de análise de preço a partir de critérios razoáveis de custos envolvidos;

9.1.4. quanto ao ambiente normativo e regulatório:

9.1.4.1. a regulamentação do art. 175, § 1º, da Lei 14.133/2021, que autoriza o uso de plataformas privadas de licitação, é pilar para possibilitar o estabelecimento de critérios de atuação de modo a promover a transparência, competitividade e segurança nos processos licitatórios;

9.1.4.2. considerando o cenário atual, em que o único aspecto de atuação existente é a sua aderência e integração ao PNCP, mas que este não realiza nenhum tipo de atividade de verificação ou alerta de inconsistência informacional, não há qualquer tipo de certificação ou parametrização para as operações dessas plataformas;

9.1.4.3. a regulamentação do art. 175, § 1º, da Lei 14.133/2021 é passo primordial para a proteção do interesse público em detrimento da atuação privada irrestrita e para o aprimoramento do sistema de licitações públicas, fortalecendo a governança, a transparência e a eficiência, em benefício da Administração Pública e da sociedade;

9.1.5. no que se refere à arquitetura do sistema e às regras de negócio:

9.1.5.1. não foram identificados no PNCP os extratos de pagamentos por meio de cartão das despesas realizadas sob a modalidade dispensa de valor, previstas nos incisos I e II do art. 75 da citada Lei;

9.1.5.2. conforme entrevista com o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), não há funcionalidade no PNCP de realizar críticas ou verificações automatizadas acerca da consistência das informações transmitidas pelas plataformas, de maneira que a mera integração ao PNCP não é, atualmente, uma garantia de integridade ou uma forma de controle sobre o que lhe é transmitido, o que reforça as observações contidas no âmbito do TC 027.907/2022-8, no sentido de que o conjunto informacional do portal tem um grau elevado de inconsistências;

9.1.5.3. a arquitetura de sistema e as regras de negócio e funcionamento dos sistemas privados que já estão ou que vierem a estar integrados ao PNCP podem ser fonte de riscos em relação à integridade das informações transmitidas;

9.1.5.4. inexiste regulamentação acerca do funcionamento das plataformas, com ausência de diretrizes e parâmetros de seus aspectos funcionais, o que permite que, dada a vasta gama de plataformas atuantes no mercado, com estruturas e regras customizadas, haja riscos à auditabilidade, integridade e segurança informacional de um certame realizado por uma plataforma privada;

9.1.5.5. existem, no âmbito do Executivo Federal, disposições e orientações sobre as contratações de desenvolvimento de sistemas de Tecnologia da Informação (TI) que seguem guias expedidos pela Secretaria de Governo Digital (SGD) do MGI, trazendo recomendações e obrigações para os requisitos de termos de referência para a contratação de desenvolvimento de sistemas;

9.1.5.6. nos procedimentos realizados no presente levantamento, foram relatados problemas reais sobre a customização ilegítima de sistemas com vistas a burla às normas de licitação, fato que se coaduna com disposto no voto condutor do Acórdão 2.154/2023-Plenário, reforçando riscos de atuação dessas plataformas, sem a presença de critérios tecnológicos de avaliação e com funcionalidades capazes de mascarar irregularidades que a legislação, com a imposição de processos eletrônicos, quis inibir;

9.2. autorizar à Unidade de Auditoria Especializada em Tecnologia da Informação (AudTI) a realização de fiscalização do tipo Auditoria (Apêndice VII do relatório à peça 17), nos termos do art. 239, inciso I, do Regimento Interno do TCU, sobre o uso das plataformas privadas eletrônicas pelos entes subnacionais conforme indicado neste levantamento, realizado conforme o subitem 9.4 do Acórdão 2.154/2023-Plenário, abrangendo como escopo a regulação, as formas de remuneração e contratação, a arquitetura de sistema e as respectivas regras de negócio, atribuindo a mesma relatoria daquele julgado, por conexão;

9.3. determinar à Secretaria Geral de Controle Externo (Segecex), com base no art. 157, caput, e 238 do Regimento Interno do TCU, a realização de levantamento de auditoria acerca do uso de plataformas privadas eletrônicas de licitação pelas empresas estatais federais, pelos entes do Sistema S e pelos Conselhos Profissionais, nos moldes da correntemente tratada nestes autos, atribuindo a mesma relatoria do Acórdão 2.154/2023-Plenário, por conexão;

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