A Lei Geral de Licitações, lei 8666/93, estabelece que as compras públicas deverão respeitar diversos princípios constitucionais, dentre eles, o princípio da promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Porém, até o ano de 2012, apenas a IN 01/2010 da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestãodispunha sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. No dia 05 de junho de 2012 foi criado o Decreto 7746, estabelecendo critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal. Conforme explica o art. 2º do referido decreto, os órgãos e entidade da administração federal poderão contratar observando critérios e práticas de sustentabilidade definidos no edital ou carta convite, dependendo da modalidade da licitação.
Art. 2o A administração pública federal direta, autárquica e fundacional e as empresas estatais dependentes poderão adquirir bens e contratar serviços e obras considerando critérios e práticas de sustentabilidade objetivamente definidos no instrumento convocatório, conforme o disposto neste Decreto.
O tema da sustentabilidade começou a ser discutidopor causa do aumento dos danos ambientais,com isso, iniciaram-se questionamentos sobre a duração dos recursos naturais existentes na terra. Aos poucos os países foram se conscientizando de que era preciso preservar a natureza.Em 1987 foi elaborado, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU), um documentoque trazia um novo modelo de desenvolvimento que conciliasse o crescimento econômico com a justiça social e a preservação do meio ambiente, esse documento ficou conhecido como Relatório Brundtland.Segundo este relatório, desenvolvimento sustentável é:
“O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais.”
O documento da ONU foi o ponto inicial para que os Estados se conscientizassem da importância e da urgência de se ter uma nova visão da relação homem – meio ambiente.
O Brasil adotou em 1988, na sua lei maior, o entendimento de que todos terão direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao poder público e a sociedade preserva-lo. Esse entendimento está previsto no art. 225 da Constituição Federal.
No ano de 1992 ocorreu na cidade do Rio de Janeiro o evento denominado Rio-92, realizado pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), com o objetivo de buscar, em escala global, o desenvolvimento sustentável, a partir de um modelo de crescimento menos consumista e mais ecologicamente equilibrado. A Agenda 21 foi um dos acordos internacionais resultantes da Conferência.
A Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.O termo “Agenda 21” foi usado no sentido de intenções e desejo de mudança para esse novo modelo de desenvolvimento para o século XXI.O Capítulo IV da Agenda 21 orienta aos países o “estabelecimento de programas voltados ao exame dos padrões insustentáveis de produção e consumo e o desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais de estímulo a mudanças nos padrões insustentáveis de consumo”. Com essa orientação o Brasil, através do Ministério do Meio Ambiente, propôs a Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), programa que visa implementar a gestão socioambiental sustentável das atividades administrativas e operacionais do Governo.
Dentre outros objetivos, a A3P trouxe a inserção de critérios ambientais nos investimentos, compras e contratação de serviços pelo governo, ou seja, o programa tem como diretriz a sensibilização dos gestores públicos para incorporar princípios e critérios de gestão ambiental nas atividades administrativas, por meio da adoção de ações que promovam o uso racional dos recursos naturais e dos bens públicos, o manejo adequado e a diminuição do volume de resíduos gerados, ações de licitação sustentável/compras verdes e ainda ao processo de formação continuada dos servidores públicos.
Antes de tratar sobre compras sustentáveis, é importante conceituar e entender o que seria licitação.
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 37 estabeleceu que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. Já em 1993, foi criada a lei 8666 que veio regulamentar a carta maior, instituindo normas a serem seguidas, pela Administração e também pelas empresas que queiram contratar com o governo.
Segundo Maria Sylvia Zanellao Di Pietro a licitação é:
“procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais se selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.”
Já para Marçal Justen Filho a licitação é definida como:
“o procedimento administrativo destinado a selecionar, segundo critérios objetivos predeterminados, a proposta de contratação mais vantajosa para administração, assegurando-se a ampla participação dos interessados e o seu tratamento isonômico, com observância de todos os requisitos legais exigidos.”
Somando os conceitos de desenvolvimento sustentável com o de licitação, pode-se chegar a um entendimento do que seria a Compra Pública Sustentável ou Licitação Sustentável. As compras ou licitações sustentáveis são aquelas em que a Administração Pública busca, em seus futuros contratos, reduzir os danos ao meio ambiente, beneficiando assim a própria administração e também a sociedade. O próprio sítio do Ministério do Meio Ambiente traz o conceito de compras sustentáveis:
“Compras sustentáveis consistem naquelas em que se tomam atitudes para que o uso dos recursos materiais seja o mais eficiente possível. Isso envolve integrar os aspectos ambientais em todos os estágios do processo de compra e evitar compras desnecessárias identificando produtos mais sustentáveis que cumpram as especificações de uso requeridas. Logo, não se trata de priorizar produtos apenas devido a seu aspecto ambiental, mas sim considerar seriamente tal aspecto juntamente com os tradicionais critérios de especificações técnicas e preço.”
O Decreto 7746/2012, foco deste trabalho, traz, no seu at. 4º, quais serão as diretrizes de sustentabilidade a serem observadas pela Administração Pública ao elaborarem os seus instrumentos convocatórios para adquirir bens, contratar serviços ou contratar obras. São eles:
I- Proporcionar menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo, e água;
II- Dar preferência para materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local;
III- Buscar maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia;
IV- Proporcionar maior geração de empregos, preferencialmente com mão de obra local;
V- Buscar uma vida útil maior com menor custo de manutenção dobem e da obra;
VI- Priorizar o uso de inovações que reduzam a pressão sobre os recursos naturais; e
VII- Observar a origem regular dos recursos naturais utilizados.
Seguindo as diretrizes para participar das licitações com produtos sustentáveis, o licitante deverá observar se o produto utiliza menos recursos naturais e contem menos materiais perigosos ou tóxicos do que o produto não sustentável, teráque comprovar que o produto tem uma vida útil maior do que o produto normal, analisando se o consumo de agua ou energia é menor do que os não sustentáveis e também se geram menos resíduos, forçando-o a adotar práticas de sustentabilidade na execução dos serviços contratados e critérios de sustentabilidade no fornecimento de bens.
O próprio Tribunal de Contas da União, em diversos acórdãos, reforça o entendimento de que o Poder Público, enquanto consumidor de recursos naturais, deve contribuir para a preservação do meio ambiente durante as atividades administrativas diárias. Um exemplo é o Acórdão 1752/2011 – Plenário, que traz as seguintes recomendações:
“(…)
9.1. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que apresente, em 90 (noventa) dias, um plano de ação visando a orientar e a incentivar todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal a adotarem medidas para o aumento da sustentabilidade e eficiência no uso de recursos naturais, em especial energia elétrica, água e papel, considerando a adesão do País aos acordos internacionais: Agenda 21, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e Processo Marrakech, bem como o disposto na Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, na Lei nº 10.295, de 17 de outubro de 2001, no Decreto nº 5.940, de 25 de outubro de 2006, e na Instrução Normativa SLTI/MP nº 1, de 19 de janeiro de 2010;
(…)
9.3. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que institua sistemática que permita que as economias alcançadas com a implementação de ações visando ao uso racional de recursos naturais revertam em benefícios dos órgãos que as adotarem, a exemplo de minuta de portaria nesse sentido no âmbito do Programa de Eficiência do Gasto;
(…)
9.9. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que incentive os órgãos e instituições públicas federais a implantarem programas institucionais voltados ao uso racional de recursos naturais, inclusive prevendo designação formal de responsáveis e a realização de campanhas de conscientização dos usuários;”
O referido acórdão tambémtraz uma pesquisa realizada com 77 instituições públicas federais, com o objetivo de saber se, nas suas compras, os órgãos estavamrespeitando o meio ambiente. O resultado desta pesquisa foi que 73% das instituições não realizavam licitações sustentáveis. Como a pesquisa foi divulgada em junho de 2011 e o decreto 7746 é de junho de 2012, a expectativa é que a partir desse ano esses dados venham a melhorar, ou seja, que haja um aumento na quantidade de instituições que realizem compras sustentáveis. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão elenca, em seu sítio, algumas licitações que foram consideradas sustentáveis. Porém, observando que os editais mais antigos na lista são de 2008 e os mais recentes são de 2011, somando um total de 11 instrumentos convocatórios sustentáveis, pode-se concluir que existem poucos órgãos interessados. Pensando nisso, o MPOG, por meio da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI/MP), vem criando alguns incentivos para que as instituições comecem a fazer suas licitações respeitando a sustentabilidade. Exemplo desse incentivo foi o concurso criado para que todos os órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios participassem para disputar qual seria o edital mais sustentável. Os critérios a serem observados eram a qualidade técnica do edital, especificação do material, valor total da aquisição, tempo de conclusão da licitação, impacto da contratação para a administração, inovação, eficácia da prática para a redução de gastos, desenvolvimento econômico, social e proteção ao meio ambiente.
Conforme determina a IN 1/2010 SLTI/MPOG o Portal de Compras do Governo Federal – COMPRASNET já disponibiliza um espaço, em seu sítio,com listas de bens, serviços e obras considerados sustentáveis.
Em um primeiro momentopode-se pensar que sairá mais caro comprar os produtos ou serviços sustentáveis do que os tradicionais. A curto prazo, pode ser que sim, mas se analisar a médio prazo, o pensamento muda. A atuação do governo é primordial, pois, o seu poder de compra e a sua capacidade de influenciar o setor produtivo e a sociedade civil irão levar a padrões sustentáveis de consumo. O governodeve exigir o cumprimento da legislação e regulamentação pertinente na procura por serviços e produtos, deve incentivar os fornecedores a oferecer produtos e serviços ambientalmente responsáveis a preços competitivos, deve incentivar os fornecedores de serviços a considerar os impactos ambientais dos serviços de entrega, procurar informaçõessobre o desempenho ambiental de produtos e serviços e também realizar levantamentos dos produtos e fornecedores, deixando claro a política de compra do órgão, incentivando alternativas mais sustentáveis. Assim, o preço de ambos (sustentável e tradicional)tendem a se equiparar conforme as exigências por responsabilidade ambiental se tornem mais relevantes para o mercado.
Ao estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento sustentável, o decreto 7746/2012 também instituiu uma comissão composta por representantes de diversos Ministérios, pela Casa Civil da Presidência da República e também pela Controladoria-Geral da União, motivo pelo qual recebeu o nome de Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP. Cabe a esta comissão propor à SLTI/MPOG normas para a elaboração de ações de logística sustentável, criar regras a serem seguidas para a elaboração dos Planos de Gestão de Logística Sustentável, criar planos de incentivos para órgãos e entidades que se destacarem na execução de seus planos de gestão, elaborar critérios e práticas e sustentabilidade nas contratações, criar estratégias de sensibilizar e capacitar servidores para utilizar recursos públicos de forma sustentável, acompanhar a execução das ações aplicadase divulgar as ações das praticas sustentáveis.
Como visto acima, algumas das atribuições da CISAP já vem sendo feitas, a exemplo do concurso do edital mais sustentável, que acaba incentivando as entidades e também a divulgação de ações das praticas sustentáveis que vem sendo feita, há algum tempo, pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão.
Referências Bibliográficas:
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JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos.14.ed. São Paulo: Dialética, 2010.
TORRES, Rafael Lopes. Licitações sustentáveis: sua importância e seu amparo constitucional elegal. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 14, n. 71, jan./fev. 2012. Disponível em:<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=77812>. Acesso em: 01 agosto 2012.)
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Disponível em <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/a3p/eixos-tematicos/item/526 > . Acesso em: 03 agosto 2012.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Disponível em <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21> . Acesso em: 10 agosto 2012.
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MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Disponível em <http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br> . Acesso em: 05 agosto 2012.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto 7.746, de 5 de junho de 2012. Regulamenta o art. 3o da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal, e institui a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP. Diário Oficial da União, Brasília, 6 jun. 2012.
BRASIL. Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993.
BRASIL. Portaria nº 1/2010-SLTI-MP, de 19 de janeiro de 2010. Dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 20 jan. 2010.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1.752/2011-Plenário. Relator Min. André Luís de Carvalho. Julgado em 29 jun. 2011. Publicado no DJ, 07 jul. 2011. Disponível em : <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/ServletTcuProxy >Acesso em: 11 ago. 2012.
Texto escrito pelos Instrutores:
-Antonieta Pereira Vieira
-Augusto César Nogueira de Souza